Claudia ficou paralisada,
segurando a fatia do pão no meio do caminho. Não era possível. Sua mãe só podia
estar delirando.
Ou não.
Cantarolando, dona Julia levantou
para atender o celular. Restaram somente Claudia e o pai que encarava
tristemente a xícara de café.
− São os remédios, minha filha –
disse o homem pesaroso. – Talvez sejam fortes demais. Vou ter que falar com o
médico.
Mas Claudia sabia que não era
delírio. Não bastava um vampiro apenas estar no seu encalço... Agora mais um? E
sua irmã? Era demais para suportar.
− Pai... E se realmente ela
enxergou alguma coisa?
− Mas como, Claudia? Por que sua
irmã ficaria do lado de fora da janela? Pendurada como? Não, isto não tem o
menor sentido.
Como ela gostaria de dizer que
quase fora atacada por um vampiro na noite passada e que sim, Lara realmente
aparecera para transformar a todos em criaturas das trevas. Porém, quem
acreditaria em uma história sem noção como aquela?
Claudia comeu sem vontade a
primeira refeição do dia enquanto sua cabeça trabalhava sem parar, ferozmente.
Vampiros não gostavam de crucifixos, alho e água benta. A única maneira de se
defender era usar estes artifícios. De repente dona Julia voltou para a sala
muito feliz.
− Era a sua tia Verinha, Claudia.
Ela ficou muito feliz em saber que a Lara vai voltar.
− Que ótimo, mãe.
Pobre tia Vera, pensou Claudia.
Devia estar apavorada com os delírios da irmã.
− Bem, eu preciso dar uma volta.
Os pais olharam para ela. Seu
Getúlio perguntou:
− Com este tempo horroroso onde
você pretende ir?
− Comprar algumas coisinhas.
Volto logo.
Ela se arrumou rapidamente, pegou
a sombrinha, a carteira e ganhou a rua. Lá fora o tempo ruim ficara ainda pior
enquanto ela se dirigia até o armazém a duas quadras de casa. As ruas estavam meio
desertas. Caminhou sempre olhando para trás, para os lados e observando os
raros carros que se aproximavam. Tinha medo que o vampiro ou Lara aparecessem
de repente. Afinal, o dia estava um pouco escuro, com nuvens grossas. Não era
tão impossível assim dar de cara com um deles.
Claudia retornou meia hora depois
trazendo várias réstias de alho. Sua intenção era pendurá-las na casa e assim
proteger a família do ataque dos vampiros. Porém, quando dona Julia a viu
chegando com aquilo tudo, fez uma cara de nojo e perguntou:
− O que você vai cozinhar? Para
que tanto alho?
− É a nova moda, mãe. Pendurar
alho em casa. Elimina os maus fluídos, purifica o ar e traz boas energias.
Ela esperava ter sido
convincente. Não deu certo.
− Este cheiro está me enojando.
Se quiser, que pendure no seu quarto.
Getúlio apareceu vindo da
cozinha.
− O que é isto, Claudia?
− Eu quero pendurar aqui em casa,
pai.
− Por quê? Tem algum vampiro por
aqui?
Dona Julia teve um ataque de riso.
Getúlio também riu, mas ficou sério quando se deparou com a expressão apavorada
da filha. Sem dizer mais nada, Claudia foi para o quarto e ficou um bom tempo
lá pendurando alho por toda a parte. Mais tarde, depois do almoço, Getúlio se
aproximou da filha e avisou:
− Vou trabalhar esta noite.
Preciso que você fique com a sua mãe.
− Mas pai! – protestou Claudia
apavorada. – Você vai me deixar sozinha com ela?
− Minha filha, sinto muito. Os
remédios que ela está tomando são muito caros e eu não posso desperdiçar este
bico. Não vai acontecer nada. Dê o medicamento para sua mãe dormir cedo, antes
da novela. Ela vai dormir feito um anjo.
Claudia sentiu vontade de chorar.
Não se sentia preparada para enfrentar uma noite sozinha ao lado da mãe. E dos
vampiros.
O pai saiu e restou a Claudia
tentar distrair sua mãe. Na verdade, ela mostrava estar muito bem. Falante e
bem humorada, chegou mesmo a preparar um jantar especial para as duas. Porém,
Claudia sabia que aquele não era o estado normal dela. Quando sentaram para
assistir a novela, dona Julia não tirava os olhos da janela da sala.
Parecia estar esperando alguém.
− Mãe, preste atenção na novela.
Veja, vai rolar uma cena boa.
Dona Julia subitamente se
levantou. Parecia agoniada. Ela foi até a janela, afastando as cortinas.
− Minha filha, venha aqui!
A mulher deu um grito agudo e
Lara pulou do sofá. Em segundos estava ao lado da mãe. Dona Julia apontava um
dedo trêmulo para a rua.
− Veja… Ali do outro lado... É
Lara! É Lara!
Claudia olhou na direção em que a
mãe apontava e estremeceu. Do outro lado da rua, quase na esquina, havia uma
moça parada. Os cabelos estavam presos e ela vestia uma capa longa e escura e
esvoaçante. Era muito parecida com Lara.
− Fique aqui dentro, mãe! Não abra a porta para ninguém! Eu vou
atrás dela!
Sem sequer pegar um casaco,
Claudia abriu a porta do apartamento e saiu em disparada pelo corredor. Quando
chegou na rua não viu nada. O coração batia tão forte que ela precisou se
apoiar na grade do prédio para tentar se acalmar. Ao longe viu uma figura
vestida de negro caminhando na calçada. Só podia ser ela.
O medo quase fez com que Claudia
ficasse parada no mesmo lugar, mas não podia deixar Lara desaparecer. Tinha
quase certeza que era ela. Vampira ou não, precisava ficar frente a frente com
sua irmã fujona.
Ela correu pela rua vazia quase
até a esquina. Nada. Não havia uma vivalma em lugar nenhum. Um movimento fez com
que ela olhasse para o lado. Do outro lado da rua um homem a encarava
atentamente. Os cabelos longos dele e os olhos com um brilho amarelado fizeram
com que Claudia quase caísse de puro terror. Era ele.
O vampiro.
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