Lucinda tinha um
hábito estranho: frequentar velórios. Costumava visitar cemitérios a qualquer
hora dia para saber quem tinha morrido. Quando algum conhecido partia desta
para melhor, prontamente Lucinda se oferecia para enfeitar o caixão, fazer
coroas de flores e ainda chorava junto com a família.
A mãe de Lucinda
tentou proibir aquele gosto pavoroso da filha mais nova. Mas não teve jeito.
Com o passar do tempo Lucinda foi se aperfeiçoando tanto que os amigos dos
mortos pensavam que ela era da família, tamanha a intimidade que se construía.
Quando terminava a função, Lucinda voltava para casa satisfeita. Além de ter
ajudado os parentes, também sabia tudo sobre a vida do defunto. Dona Francisca, a mãe, ficava horrorizada quando
Lucinda começava a narrar a vida do falecido e seus pormenores às vezes bem
indiscretos e muitas vezes mandava a filha calar a boca.
Era sábado
quando Lucinda pegou sua bolsa, pôs o vestido escuro e foi para o cemitério
atrás das suas novidades. Era assim que ela se referia aos defuntos. Logo que
chegou deparou-se com uma aglomeração maior do que das outras vezes. Havia um
número maior de carros e pessoas mais bem vestidas, o que levava a crer que o
morto tinha sido alguém importante. Lucinda apertou o passo, empolgada, certa
de que aquele dia iria render.
A capela
funerária estava cheia de gente. Lucinda conseguiu, com certo custo, chegar
perto do caixão. Antes de visualizar quem estava dentro, surpreendeu-se ao ver
uma mulher jovem, de cabelos claros e chorando aos soluços quase sobre o morto.
As mulheres ao redor a consolavam sem parar, estendendo-lhe lenços que não
davam conta de tantas lágrimas. Então Lucinda voltou os olhos para o defunto.
Levou um choque.
*
Não, nunca havia
visto aquele homem na vida. Mas… Será que ele estava mesmo morto? Lucinda
apertou a bolsa contra o peito e se aproximou lentamente do caixão disputando
espaço com os familiares.
Quem era
ele?,perguntou-se Lucinda, angustiada. Não devia ter mais de trinta anos. O
cabelo escuro estava bem penteado e sua expressão era um tanto conturbada.
Parecia que estava prestes a abrir os olhos e saltar dali. Lucinda não
conseguia tirar os olhos do morto, tentando adivinhar o que causara seu
passamento. Era tão bonito mesmo dentro de um caixão que ela perguntou-se o
quanto não teria sido belo quando vivo. Por isto a noiva chorava tão
desesperadamente. Como não amar um príncipe daqueles? Oh, meu Deus, gemeu ela,
com tanta gente feia por aí, por que um homem daqueles tinha que ter morrido?
— Meu amor… −
murmurou a viúva soluçando e acariciando o rosto dele. — Por que você me deixou
tão cedo?
Lucinda se fazia
a mesma pergunta. Gostaria tanto de tê-lo conhecido em vida! Talvez tivesse até
mesmo podido evitar a sua morte. Ela esticou a mão para tocar a dele, um
atrevimento que nunca ousara em toda a sua carreira de frequentadora de
velórios. Alguém a empurrou bruscamente para o lado fazendo com que Lucinda se
desequilibrasse. Outro parente histérico chegara e a moça perdeu o lugar junto
ao caixão.
Ela precisava de
ar e saber quem era o pobre homem. Desarvorada, Lucinda saiu para o jardim do
cemitério procurando alguém disposto a lhe passar todas as informações que
precisava. Não precisou caminhar muito. Sentada em um banco próximo a uma
árvore, uma simpática senhora parecia apreciar a vista. Um segundo depois
Lucinda acomodara-se ao lado dela.
— Dia lindo,
não? – Lucinda fingiu estar apreciando a bela manhã. — Pena que tudo está tão
triste.
— É verdade – a mulher suspirou. — Ele gostava
de dias assim. Céu azul, passarinhos voando... uma tragédia o que aconteceu.
— De que… de que
ele morreu?
— Coração – mais
um suspiro, desta vez mais profundo. — Ele estava andando de bicicleta com a
Marília quando caiu duro. Ela pensou que fosse uma brincadeira, mas Álvaro não
levantou mais. Ela então se aproximou para ver o que estava acontecendo. Foi
fulminante.
— Nossa, que
horror! – Lucinda não pôde esconder o choque. Um exercício tão simples matara
Álvaro. Este era o nome dele. — Não deu tempo de chamar o socorro?
— A pobrezinha
da viúva fez tudo o que pôde. Mas quando os médicos chegaram não havia mais
nada a fazer.
— Coitado do
Álvaro – os olhos de Lucinda lacrimejavam. Tinha certeza que se fosse ela a sua
esposa teria cuidado dele tão bem que nada daquilo teria acontecido.
— Um ótimo
homem. Eles eram casados há apenas dois anos! Marília não merecia uma sorte
destas!
— Que mundo
injusto!
A velha se
voltou para Lucinda e resolveu perguntar, curiosa:
— Quem é você,
afinal?
Lucinda levantou
sem dar resposta alguma. Com lágrimas nos olhos retornou para a capela onde
Marília continuava com suas lamentações. Achou melhor enfiar-se em um canto
onde podia observar o rosto moreno do falecido e sofrer sozinha com sua dor.
Quando se deu conta entoava algo semelhante a um mantra:
“Acorde acorde acorde
acorde acorde acorde.”
Olhou para os
lados, atarantada. Felizmente ninguém havia escutado. Álvaro havia sido um
homem expoente na sociedade. Como nunca soubera nada sobre ele?
O enterro saiu
próximo ao meio dia. Lucinda não teve chance de acompanhar o cortejo. Para dar
adeus ao defunto pelo qual se encantara, ela se pendurou em uma árvore e
assistiu ao sepultamento de camarote. Quando tudo acabou e as pessoas
lentamente se retiraram do local, Lucinda se aproximou do túmulo. Fez uma pequena
oração e jurou a Álvaro que iria voltar no dia seguinte e em todos os outros.
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