Lucinda voltou
ao cemitério no domingo trazendo nas mãos um lindo buquê. Encontrou um homem
ajeitando as coroas e as flores do dia anterior. Quando ele a viu, fez uma
expressão de surpresa, principalmente quando Lucinda depositou suas próprias
flores em um lugar de destaque.
— Conheço você?
É da família?
Ela não se deu
ao trabalho de responder. Fechou os olhos, fez uma pequena oração para Álvaro e
também para que o homem inoportuno fosse embora. Não deu certo. Ao abrir os
olhos outra vez ele ainda estava ali, encarando-a com as mãos na cintura.
— Você quem é?
Lucinda fechou a
cara e devolveu a pergunta:
— E você? Sempre
vem aqui?
— Sou empregado
da família Malta e encarregado para zelar pela sepultura do Doutor Álvaro. Meu
nome é João.
— Prazer, João –
ela gostaria de ficar mais tempo, mas com o homem por ali isto seria
impraticável. — Eu já vou indo. Só quis prestar minha homenagem a este senhor.
— E nome você
não tem?
Ela deu meia
volta e foi embora sem olhar para trás. Não iria se prestar a satisfazer a
curiosidade de um mero subalterno.
*
Naquele mesmo
dia Dona Francisca se deu conta que Lucinda estava esquisita. Deixara mais da
metade da comida no prato e recusara a sobremesa, um delicioso doce de abóbora.
Uma das irmãs berrou:
— A Lu está
apaixonada!
Lucinda não
respondeu, limitando-se a remexer a comida que deixara no prato quase intocada.
Como explicar que amava um desconhecido que somente conhecera morto?
— É o que dá
frequentar velórios! – retrucou Dona Francisca. — Eu sabia que um dia você iria
aparecer maluca!
— Não estou
maluca e muito menos apaixonada. Só estou cansada. — Lucinda se levantou da
mesa, bastante irritada. — Deixem-me em paz!
Ante os olhares
espantados da família, Lucinda saiu rapidamente da mesa e se trancou no quarto.
Usou o travesseiro para abafar o choro. Odiava Marília, ela não cuidara bem de
Álvaro, permitindo que ele morresse tão jovem. Por que não conhecera Álvaro
antes? Por que o destino tinha que ser tão cruel? E agora? Quando irei
encontrar Álvaro novamente?
Lucinda não saiu
mais do quarto naquele domingo. Quando o sono veio perto da madrugada, ela teve
um sonho muito estranho.
*
— Lucinda...
Ela não
despertou imediatamente. Revirou-se na cama e cobriu a cabeça com a coberta.
— Lucinda...
A moça rolou na
cama e abriu os olhos. A luz do luar entrava pelas frestas da veneziana
deixando o quarto na penumbra. Alguém chamara o nome dela? Ora, devia ter sido
um sonho.
— Me ajude...
Um sussurro no
ar fez o coração dela acelerar. Alguém a chamava, a voz ressoava pelo espaço e
Lucinda não sabia dizer quem era. Curiosa, ela sentou na cama.
Havia um homem
encostado junto à porta.
Lucinda segurou
um grito e se encolheu toda, segurando o travesseiro ao encontro do peito. Não
dava para ver direito quem era, a pouca luminosidade não permitia visualizar o
rosto do estranho.
— Como você
entrou aqui?
A voz de Lucinda
saiu em um murmúrio. Ele não era um bandido. Pelas suas vestes era possível ver
que era uma pessoa de posses.
— Preciso da sua
ajuda.
Já acostumada
com a escuridão, Lucinda começou a perceber alguns traços no rosto angustiado
daquele homem. Os olhos tristes mostravam tanto sofrimento que partiu o coração
da jovem.
— Álvaro! –
Lucinda gritou baixinho, de puro susto, ainda sobre a cama. — É você mesmo?
Mas ele não
respondeu. Continuou a fitá-la com os olhos tão desesperados que ela se obrigou
a ficar em pé.
— Diga-me o que
aconteceu – ela pediu à meia voz a alguns passos de distância dele. — Como
posso ajudar você? Por favor, me diga!
Álvaro levou a
mão até a garganta como se estivesse sofrendo de grande dor. Lágrimas
escorreram pela face de Lucinda. Ela deu um passo à frente com a mão estendida
para tocá-lo no exato momento em que uma luz acendeu no corredor e a voz de
Dona Francisca se fez ouvir:
— Lucinda, você
está sonhando? Acorde, menina!
O espectro de
Álvaro desapareceu em um piscar de olhos ao mesmo tempo em que Lucinda se
jogava na cama. A mãe abriu a porta segundos depois e encontrou a filha deitada
sob as cobertas, aparentemente dormindo.
— Lucinda?
A moça
permaneceu em silêncio, de olhos fechados. A senhora não insistiu e fechou a
porta outra vez. Lucinda esperou tudo silenciar até abrir perceber que não
havia mais perigo.
— Álvaro? Pode
voltar agora – murmurou ela, ansiosa.
O pedido foi em
vão.
— Por favor,
volte. Diga-me como posso ajudar você.
Para
infelicidade de Lucinda, Álvaro não retornou. Depois de chorar por alguns
segundos, Lucinda lembrou que o fato de ele a ter procurado significava que
poderia haver um vínculo entre ambos. Um elo que nem mesmo a morte fora capaz
de destruir.
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