Lucinda chegou
em casa sentindo uma enorme dor de cabeça. Trancou-se no quarto com uma xícara
de chá de camomila para se acalmar. Pobre Álvaro. Lágrimas vieram aos olhos
dela. Que morte terrível tinha sofrido nas mãos daquela megera. Marilia ainda
tivera coragem de acusa-la de ser a amante do marido. Era uma questão de honra
atender ao pedido de Julieta e também de Álvaro. Em meio à angústia que tomava
conta do seu coração, Lucinda tomou uma decisão. No dia seguinte iria procurar
Henrique, o irmão de Álvaro. Ele precisava saber o que estava acontecendo na
mansão antes que Marília tomasse conta de tudo.
Triste e
sorvendo o chá em pequenos goles, Lucinda aproximou-se da janela. Grossas
nuvens se aproximavam da região. Dentro em breve uma chuva forte iria cair
sobre a cidade e Lucinda estremeceu. Esperava que não fosse um mau agouro.
*
Lucinda se viu
envolvida em meio à bruma. Olhou para os lados, mas não conseguiu distinguir
nada. Aos poucos a névoa foi se abrindo e ela pôde visualizar onde estava. Os
portões da mansão surgiram altos e sólidos a sua frente e Lucinda estremeceu.
Estava presa dentro daquele lugar pavoroso, onde Álvaro havia sido assassinado!
Trêmula, Lucinda se dirigiu mesmo assim aos portões, segurou com força as
grades e as sacudiu. Elas não se mexeram. O pânico tomou conta dela. A moça
olhou para trás e pôde ver que Marília se aproximava segurando uma faca,
lentamente e com um sorriso malvado nos lábios. O pavor aumentou. Lucinda olhou
para cima. Os portões eram muito altos, bem como os muros. Jamais conseguiria
escalá-los. Escutou os passos da sua algoz partindo as folhas secas caídas no
chão à medida que chegava perto de Lucinda. Ela não teve coragem de olhar para
trás. Viu um homem passando do lado de fora e tentou gritar. Sua voz, porém,
saiu rouca, quase inaudível. Uma mão pesada pousou sobre o ombro dela e Lucinda
se virou para ver quem era, encolhendo-se toda. Era Álvaro.
Lucinda sentiu a
mão dele fria e rígida e seu olhar era tão doloroso que ela sentiu vontade de
chorar. Álvaro não falou, mas Lucinda entendeu exatamente o que ele queria
dizer:
— Não desista.
Ela acordou
sobressaltada e com o coração saltando pela boca. Não havia sido um sonho,
Lucinda sabia, enquanto se dirigia à cozinha para beber um copo de água. Ainda
sentia a pressão da mão dele sobre o ombro e, apesar de toda a tragédia
envolvida, Lucinda sentia um tipo de contentamento esquisito. Álvaro a
escolhera para ajudá-lo.
*
Lucinda
conseguiu dormir depois do sonho e despertou suando por volta das nove horas da
manhã. Ela se levantou rapidamente. Tinha uma missão a cumprir e não podia mais
adiar. Quando apareceu na cozinha para um café rápido, Dona Francisca exclamou:
— Finalmente! Eu
já ia acordar você. Ué, aonde você vai? Morreu alguém?
Ela balançou a
cabeça, negando. Estava tensa e sem muita vontade de conversar.
— Preciso
resolver uma questão.
— Ih, você está
muito misteriosa, viu? – a mãe serviu café na xícara preferida de Lucinda. —
Espero que não esteja aprontando nada.
Lucinda bebeu um
pequeno gole do café. Se a mãe soubesse aonde ela pretendia ir, teria um ataque
do coração.
— Eu, mãe?
Neste momento
Isabel entrou afobada em casa. Tinha ido à feira cedo e pelo visto chegara com
novidades.
— Vocês não
imaginam o que aconteceu!
Por algum motivo
as pernas de Lucinda ficaram fracas. Em silêncio, esperou o que a irmã tinha
para contar.
— Desembucha,
criatura! – Dona Francisca não se aguentava de curiosidade. — Qual a fofocada
da vez?
— Encontraram
morta uma empregada da família Malta!
Lucinda resolveu
sentar quando percebeu que poderia cair de joelhoes no piso frio da cozinha. As
mãos tremiam e ela as escondeu para que nenhuma das duas reparasse no seu
estado nervoso.
— Quem foi?
— Não sei quem
é, mãe. Você sabe como são os Malta. Eles se enclausuram naquele castelo e
ninguém sabe o que se passa lá dentro.
Com os olhos vidrados
na irmã, Lucinda acompanhou cada palavra que a outra dizia.
— Mas o nome eu
descobri. Julieta. Contaram na feira que a mulher desapareceu ontem de noite e
hoje a encontraram boiando no rio há dois quilômetros da cidade.
— Puxa, que
coisa horrível – murmurou Dona Francisca, chocada. — Será que a moça bebeu?
Isabel sacudiu
os ombros. Também não fazia a menor ideia do que poderia ter acontecido.
— Ninguém sabe,
mãe. O que acontece atrás daqueles muros é segredo. Veja você. O tal Álvaro
Malta morreu do coração e ninguém nunca mais viu a viúva, nem para prestar
condolências. É tudo muito esquisito o que acontece por lá. O que foi, Lucinda?
Você está branca!
Ela tentou
disfarçar. O cerco se fechava. Dentro em pouco seria ela a ser assassinada.
— Nada, não foi
nada – Lucinda ficou em pé mesmo com as pernas bambas. — Notícia triste, não?
Bem, mas eu preciso sair. Nos vemos mais tarde.
Lucinda saiu
rápida de casa antes que viessem mais perguntas. O medo era grande e só não
desistiu por Álvaro. Na calçada fez sinal para um táxi. Não tinha mais como
voltar agora.
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