terça-feira, 20 de dezembro de 2016

SOMENTE NOS MEUS SONHOS (Cap. 3)



No outro dia pela manhã Lucinda mal conseguiu tomar o café direito. Escutou sua mãe jurar que ela havia falado durante algum sonho, mas não a moça não deu muita importância. E sem maiores explicações, Lucinda pegou a bolsa e saiu. Precisava ir até o cemitério. Temia que Álvaro não voltasse mais e precisava dizer a ele que estava pronta para ajudá-lo.

Lucinda ignorou o velório que estava acontecendo e foi direto à sepultura dele. A foto de Álvaro já estava posta na lápide e Lucinda confirmou o quanto ele havia sido belo.

— Por que você partiu, Álvaro? – ela suspirou de tristeza. — Meu Deus, por que não tive tempo de conhecê-lo?

Ela se ajoelhou no chão, arranhando os joelhos. Juntou as mãos em oração e fechou os olhos, implorando ser ouvida por Álvaro. Estava tão concentrada que não percebeu a aproximação de João.

— Você de novo aqui?

A voz ríspida do homem fez com que ela desse um pulo de susto.

— O que você tem a ver com isto?

Lucinda não gostou do jeito que João lhe encarava. Ele parecia ser um homem muito mau.

— Você não é da família. Que tanto vem aqui chorar o falecido?
— Não lhe interessa! – Lucinda recuou um pouco aterrorizada com a atitude dele. — Não tenho que dar explicações a ninguém!

João pôs a mão ameaçadoramente sobre o braço dela.

— Tem que dar explicações à família Malta. Dona Marília quer saber o que tanto você chora e reza aqui.

Homem linguarudo! Ele já tinha levado o assunto à viúva!

— Solte meu braço, seu mal educado! Como ousa tocar em uma mulher que você não conhece?

João não aliviou a pressão, pelo contrário. Deu um puxão violento na manga do vestido de Lucinda e rugiu:

— Venha comigo.

Desta vez Lucinda realmente sentiu medo. João a puxou mais uma vez querendo arrastá-la daquele lugar. Ela olhou desesperada para os lados. Estavam sozinhos, não havia ninguém para ajudá-la.

— Solte-me, seu monstro!
— Fale baixo, vagabunda!

Lucinda acertou um forte soco no rosto de João com o braço solto e um violento pontapé entre suas pernas. João dobrou-se em dois praguejando baixinho, enquanto Lucinda aproveitou a situação para sair correndo. Somente quando virou a esquina de casa que sossegou. Não, não estava sendo seguida. Aliviada, Lucinda sentiu as pernas trêmulas. Naquele dia não teve mais coragem de pôr os pés na rua.

*
Aconteceu um pouco antes das oito horas da noite. A mãe bordava na sala com as filhas e Lucinda estava na cozinha finalizando o jantar. De repente ela escutou um barulho forte e uma gritaria das mulheres. Ela correu até a sala, bem assustada. Isabel, uma das irmãs, segurava na mão uma pedra grande. Os vidros estavam estilhaçados. Ante o olhar apavorado de Lucinda, Isabel explicou com a voz trêmula:

— Alguém atirou aqui dentro.

Lucinda não conseguiu falar nada. Seus pensamentos eram os piores possíveis.  Dona Francisca apareceu com uma vassoura e uma pá.

— São estes moleques de rua. Os pais não dão mais limites, vejam vocês!

Lucinda deu meia volta e retornou para a cozinha. O corpo tremia e ela precisou tomar um chá de maracujá para se acalmar. Tinha certeza que aquela pedra fora arremessada com o intuito de amedrontá-la.

“Álvaro, o que está acontecendo?”

*

Por precaução, Lucinda não voltou mais ao cemitério naquela semana e o espectro de Álvaro também não apareceu. A mente de Lucinda era um turbilhão de dúvidas. Ele teria mesmo se manifestado? Não, não poderia tudo ter sido somente um sonho! As coisas estavam confusas. Volta e meia Lucinda sentia uma presença perto de si e quando se voltava para ver o que era, não havia ninguém por perto. Para completar a situação, a família Malta parecia disposta a encrencar.

Lucinda passava os dias inteiro se lembrando da visão que tivera de Álvaro pedindo ajuda. Suas noites de sono eram cada vez mais raras. Enquanto a família dormia, ela aguardava Álvaro voltar. Por vezes acordava mal acomodada na cama, tendo pegado no sono sem perceber. Mas quando a angústia era demais, Lucinda vagava pela casa como se o fantasma fosse ela. Felizmente mãe e irmãs nunca repararam nas andanças noturnas da moça.

Quando os ossos começarama saltar na pele, Dona Francisca comentou com as outras filhas que a caçula estava esquisita, talvez doente. Pouco se alimentava e quase não saía de casa. Nem aos velórios Lucinda ia mais. Houve um dia, contudo, que ela não suportou mais ficar longe de Álvaro. Tinha aguardado em vão longos quinze dias que ele voltasse e agora não ficaria mais um dia sequer sem a sua presença. Esperou até o final da tarde chegar para ir até o cemitério. Torcia para que João não estivesse por lá.

Foi com o coração aos pulos que Lucinda chegou ao local com um lenço na cabeça para disfarçar. Tomou a direção da sepultura de Álvaro, tendo o cuidado de olhar para os lados. Respirou aliviada. Aparentemente estava sozinha ali. A lápide estava repleta de flores vermelhas e brancas, indicando que João deveria fazer a manutenção todos os dias. Ao se aproximar, Lucinda sorriu como se Álvaro pudesse lhe ver. Quase pôde sentir a presença dele em meio às flores.

— Sinto você aqui, meu querido.

Lucinda não teve tempo de mais nada. Uma mão forte segurou com brusquidão seu cotovelo, fazendo com que ela gemesse de dor.

— Você de novo? Eu sabia que um dia eu a veria aqui outra vez.

A moça se contorceu, tentando se soltar desesperadamente. Mas João era muito mais forte, imobilizando-a de um jeito que qualquer movimento tornava tudo muito mais dolorido.

— Eu estava… somente passando…
— Mentira. Venha, Dona Marília está esperando você faz dias.
— O quê? – Lucinda ficou abismada. — O que você está dizendo?
— Cale a boca e venha comigo. Não ouse gritar. A família Malta é muito poderosa e você não é nada.


Lucinda foi levada aos tropeções até uma saída lateral do cemitério e posta dentro de um carro preto e com vidros escuros. Durante o trajeto ela não ousou falar nada. Aliás, mal respirava. Um motorista carrancudo dirigiu em boa velocidade até a mansão dos Malta, enquanto João ia sentado ao lado dela no banco de trás. Quando o carro cruzou os portões da mansão, Lucinda rezou para que saísse viva de lá.


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