No outro dia
pela manhã Lucinda mal conseguiu tomar o café direito. Escutou sua mãe jurar
que ela havia falado durante algum sonho, mas não a moça não deu muita
importância. E sem maiores explicações, Lucinda pegou a bolsa e saiu. Precisava
ir até o cemitério. Temia que Álvaro não voltasse mais e precisava dizer a ele
que estava pronta para ajudá-lo.
Lucinda ignorou
o velório que estava acontecendo e foi direto à sepultura dele. A foto de
Álvaro já estava posta na lápide e Lucinda confirmou o quanto ele havia sido
belo.
— Por que você
partiu, Álvaro? – ela suspirou de tristeza. — Meu Deus, por que não tive tempo
de conhecê-lo?
Ela se ajoelhou
no chão, arranhando os joelhos. Juntou as mãos em oração e fechou os olhos,
implorando ser ouvida por Álvaro. Estava tão concentrada que não percebeu a
aproximação de João.
— Você de novo
aqui?
A voz ríspida do
homem fez com que ela desse um pulo de susto.
— O que você tem
a ver com isto?
Lucinda não
gostou do jeito que João lhe encarava. Ele parecia ser um homem muito mau.
— Você não é da
família. Que tanto vem aqui chorar o falecido?
— Não lhe
interessa! – Lucinda recuou um pouco aterrorizada com a atitude dele. — Não
tenho que dar explicações a ninguém!
João pôs a mão
ameaçadoramente sobre o braço dela.
— Tem que dar
explicações à família Malta. Dona Marília quer saber o que tanto você chora e
reza aqui.
Homem
linguarudo! Ele já tinha levado o assunto à viúva!
— Solte meu
braço, seu mal educado! Como ousa tocar em uma mulher que você não conhece?
João não aliviou
a pressão, pelo contrário. Deu um puxão violento na manga do vestido de Lucinda
e rugiu:
— Venha comigo.
Desta vez
Lucinda realmente sentiu medo. João a puxou mais uma vez querendo arrastá-la
daquele lugar. Ela olhou desesperada para os lados. Estavam sozinhos, não havia
ninguém para ajudá-la.
— Solte-me, seu
monstro!
— Fale baixo,
vagabunda!
Lucinda acertou
um forte soco no rosto de João com o braço solto e um violento pontapé entre
suas pernas. João dobrou-se em dois praguejando baixinho, enquanto Lucinda
aproveitou a situação para sair correndo. Somente quando virou a esquina de
casa que sossegou. Não, não estava sendo seguida. Aliviada, Lucinda sentiu as
pernas trêmulas. Naquele dia não teve mais coragem de pôr os pés na rua.
*
Aconteceu um
pouco antes das oito horas da noite. A mãe bordava na sala com as filhas e
Lucinda estava na cozinha finalizando o jantar. De repente ela escutou um
barulho forte e uma gritaria das mulheres. Ela correu até a sala, bem
assustada. Isabel, uma das irmãs, segurava na mão uma pedra grande. Os vidros
estavam estilhaçados. Ante o olhar apavorado de Lucinda, Isabel explicou com a
voz trêmula:
— Alguém atirou
aqui dentro.
Lucinda não
conseguiu falar nada. Seus pensamentos eram os piores possíveis. Dona Francisca apareceu com uma vassoura e
uma pá.
— São estes
moleques de rua. Os pais não dão mais limites, vejam vocês!
Lucinda deu meia
volta e retornou para a cozinha. O corpo tremia e ela precisou tomar um chá de
maracujá para se acalmar. Tinha certeza que aquela pedra fora arremessada com o
intuito de amedrontá-la.
“Álvaro, o que
está acontecendo?”
*
Por precaução,
Lucinda não voltou mais ao cemitério naquela semana e o espectro de Álvaro
também não apareceu. A mente de Lucinda era um turbilhão de dúvidas. Ele teria
mesmo se manifestado? Não, não poderia tudo ter sido somente um sonho! As
coisas estavam confusas. Volta e meia Lucinda sentia uma presença perto de si e
quando se voltava para ver o que era, não havia ninguém por perto. Para
completar a situação, a família Malta parecia disposta a encrencar.
Lucinda passava
os dias inteiro se lembrando da visão que tivera de Álvaro pedindo ajuda. Suas
noites de sono eram cada vez mais raras. Enquanto a família dormia, ela
aguardava Álvaro voltar. Por vezes acordava mal acomodada na cama, tendo pegado
no sono sem perceber. Mas quando a angústia era demais, Lucinda vagava pela
casa como se o fantasma fosse ela. Felizmente mãe e irmãs nunca repararam nas
andanças noturnas da moça.
Quando os ossos
começarama saltar na pele, Dona Francisca comentou com as outras filhas que a
caçula estava esquisita, talvez doente. Pouco se alimentava e quase não saía de
casa. Nem aos velórios Lucinda ia mais. Houve um dia, contudo, que ela não
suportou mais ficar longe de Álvaro. Tinha aguardado em vão longos quinze dias
que ele voltasse e agora não ficaria mais um dia sequer sem a sua presença.
Esperou até o final da tarde chegar para ir até o cemitério. Torcia para que
João não estivesse por lá.
Foi com o
coração aos pulos que Lucinda chegou ao local com um lenço na cabeça para
disfarçar. Tomou a direção da sepultura de Álvaro, tendo o cuidado de olhar
para os lados. Respirou aliviada. Aparentemente estava sozinha ali. A lápide
estava repleta de flores vermelhas e brancas, indicando que João deveria fazer
a manutenção todos os dias. Ao se aproximar, Lucinda sorriu como se Álvaro
pudesse lhe ver. Quase pôde sentir a presença dele em meio às flores.
— Sinto você
aqui, meu querido.
Lucinda não teve
tempo de mais nada. Uma mão forte segurou com brusquidão seu cotovelo, fazendo
com que ela gemesse de dor.
— Você de novo?
Eu sabia que um dia eu a veria aqui outra vez.
A moça se
contorceu, tentando se soltar desesperadamente. Mas João era muito mais forte,
imobilizando-a de um jeito que qualquer movimento tornava tudo muito mais
dolorido.
— Eu estava…
somente passando…
— Mentira.
Venha, Dona Marília está esperando você faz dias.
— O quê? –
Lucinda ficou abismada. — O que você está dizendo?
— Cale a boca e
venha comigo. Não ouse gritar. A família Malta é muito poderosa e você não é
nada.
Lucinda foi
levada aos tropeções até uma saída lateral do cemitério e posta dentro de um
carro preto e com vidros escuros. Durante o trajeto ela não ousou falar nada.
Aliás, mal respirava. Um motorista carrancudo dirigiu em boa velocidade até a
mansão dos Malta, enquanto João ia sentado ao lado dela no banco de trás.
Quando o carro cruzou os portões da mansão, Lucinda rezou para que saísse viva
de lá.
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