一 Ah, não acredito!
Toda a sua frustração se resumiu naquela frase proferida com irritação. Envergonhada por turistas e clientes testemunharem o destempero e a falta de profissionalismo de Serena, Keila deu-lhe um cutucão.
一 Vamos voltar à realidade? Serena, o que está se passando?
Sem falar nada, Serena abandonou o estande e os trabalhos. Ignorou os chamados frenéticos de Keila e correu para a calçada. Entre aquele mar de gente que tomava conta do lugar, Serena não conseguiu mais visualizar o desconhecido. O falatório e as risadas dos turistas a irritaram. Os altos-falantes instalados nos postes da avenida brindavam as pessoas com doces canções natalinas. Mas ela nada ouvia. Caminhou alguns passos, mas dele nem sinal. Sua tensão foi aumentando à medida que abria caminho sem muita educação, empurrando as pessoas, agoniada. Por duas quadras Serena seguiu, ora caminhando, ora correndo, e chegou mesmo a subir em um banco na afobada tentativa de encontrá-lo.
Mas o homem, simplesmente, desaparecera.
*
Toda aquela busca frenética durou em torno de trinta minutos. Quando finalmente caiu em si, que não o veria mais pelo menos naquela noite, Serena decidiu voltar ao estande. Se dirigiu para lá, sem pressa e desolada, sabendo que Keila era capaz de dar conta do trabalho. Porém, sua tensão aumentou de forma considerável quando, ao chegar mais perto, se deparou com a dona da loja de artesanato auxiliando no atendimento. Naquele exato momento, Serena percebeu que estava bem encrencada.
一 Boa noite.
Foi a única coisa que Serena foi capaz de balbuciar ao ver a expressão séria da sua chefe.
一 Senta aí ー ordenou ela com a voz gélida, apontando com a cabeça um banquinho de madeira. 一 Já vamos conversar.
Serena sentou, ereta. Keila também a encarou, mal-humorada, mas sem dizer nada. O movimento continuava intenso. Serena respirou fundo.
一 Precisam de ajuda?
一 Não.
Cruzes, pensou Serena, se encolhendo no banco e esperando o pior. Talvez tivesse exagerado. Dali onde estava, voltou sua cabeça para trás e depois para os lados. Ele podia estar ali por perto, nas imediações.
Nada.
一 Você está demitida, Serena.
Com a atenção voltada para quem circulava pela feira, a jovem se voltou para a chefe, perplexa. Keila observava a cena com o canto dos olhos.
一 Eu posso explicar tudo 一 Serena tentou argumentar, sentindo um bolo de agonia subir-lhe pela garganta, quase a sufocando.
一 Que explicação, Serena? ー a mulher bufava. 一 Você deixou Keila na mão numa das noites mais movimentadas da temporada.
一 Dor de barriga. Sabe o que é isso? ー Serena mentiu, descaradamente. 一 Tive que procurar um banheiro.
一 Não minta de novo para mim. Não é a primeira vez que você apronta. Sua vida aqui se resume a atrasos, desculpas para sair mais cedo, e uma eterna falta de disposição. Enfim, para mim basta. Meu contador irá procurar você amanhã. Todos os seus direitos serão pagos. Está dispensada.
Serena levantou do banquinho, as pernas fracas.
一 Des… desculpe, chefe. Desculpe, Keila.
A mulher fez um gesto para que Serena fosse embora de uma vez.
一 Não se joga um emprego fora. No próximo seja responsável. Você não é mais nenhuma adolescente. Já tem 23 anos. Boa sorte.
Serena ficou sem saber o que fazer, parada e deslocada no estande, observando Keila atender aos turistas. Depois, lentamente, se virou, pegou a bolsa e foi embora. Pensou em ir para casa direto e afogar suas mágoas num cálice de vinho. Contudo, tomou o rumo da Ouro Negro, a chocolataria mais famosa da cidade e onde sua mãe trabalhava. Precisava desabafar com alguém seu consternamento.
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