ME DÊ TEU BEIJO
E EU TE DAREI O MUNDO.
E ALGO MAIS.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
domingo, 18 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. Final)
− Pai…
− Cale a
boca, Amanda! Vocês conseguiram me tirar do sério! Tereza, Rodolfo... Mais
alguém morreu e eu devo saber?
Cris
olhou para Poncho e respondeu sussurrando:
− Faltou
o Poncho.
− Fique
quieto. Eu…
A
campainha tocou. Marília e Carlos se entreolharam.
− Vocês
convidaram alguém para participar da nossa festinha particular? – perguntou
Carlos dando uma risada sinistra.
Temendo
alguma reação do pai, Amanda recuou alguns passos e disse:
− Eu… É
melhor eu ir ver quem é.
Um minuto
depois Amanda retornou acompanhada de dois homens jovens. Carlos não reparou o
quanto a filha estava pálida. Ainda segurando a pá, ele a cravou com força na
terra e perguntou para Amanda em altos brados:
− Quem
são estes caras, Amanda?
Um deles
respondeu:
− Somos
da polícia, senhor – e estendeu a carteira funcional para Carlos.
−
Polícia? – Carlos tentou ganhar tempo. Discretamente ele largou a pá, mas ela
bateu em uma pedra fazendo o maior barulhão. – Muito prazer – Ele se aproximou
deles estendendo a mão amistosamente. Que diabos era aquilo afinal?
− Recebemos
uma denúncia anônima.
− É
mesmo?
Somente
Carlos falava. Amanda, os gêmeos e Marília se postaram um ao lado do outro,
mudos e gelados, esperando o pior.
−
Relataram que há um corpo aqui – os olhos dos dois policiais se dirigiram para
onde a terra já estava remexida.
− Um
corpo?
Carlos
deu sua risada apavorante. Colocou as mãos na cintura e olhou para a família
procurando apoio.
− Eles
estão dizendo que tem um corpo aqui.
André
apontou para onde Poncho jazia e perguntou:
− Serve
aquele?
Os olhos
de todos focaram no corpo do cachorro morto.
− Bem,
como vocês podem ver – Carlos sentiu-se dono da situação outra vez, − há um
corpo nesta casa. Meu cachorro Poncho teve um ataque cardíaco e caiu duro.
Quando vocês chegaram aqui estávamos debatendo o que fazer com ele. Aliás,
iremos enterrá-lo aqui no jardim.
− Pedimos
desculpas, senhor – falou um dos policiais. – Meus pêsames.
− Ah,
tudo bem. Amanda leve os senhores até a porta, por favor.
Quando a
garota retornou encontrou o pai cavando desesperadamente a cova de Tereza.
Assustada, ela indagou baixinho:
− Pai,
eles podem voltar. Vamos dar um tempo.
− Tempo
coisa nenhuma. Pra mim chega. Chega mesmo! André, acenda a churrasqueira.
A
conversa era feita quase aos sussurros. André prontamente fez o que o pai pedia
enquanto Marília, nervosa, aproximou-se do marido para perguntar:
− O que
você está pretendendo, Carlos?
− Não
vamos mais correr riscos. E não fale nada. Aliás, estão todos proibidos de
falar aqui.
Assim que
Carlos avistou o cobertor cor-de-rosa, pediu que um dos filhos alcançasse uma
máscara e a luva cirúrgica. Um cheiro terrível tomou conta do ar quando Carlos
pegou o saco preto e envolveu Tereza nele. Todos deram passagem quando o homem
colocou os restos da empregada em um carrinho de mão e se dirigiu até a
churrasqueira.
− André,
coloque o cachorro no buraco. Agora.
Enquanto
André e Cris levavam Poncho até o buraco, cobrindo-o com a terra, Tereza
queimava na churrasqueira. Amanda e Marília assistiam a tudo abraçadas e
chocadas. Os gêmeos mantiveram uma boa distância do pai, por via das dúvidas. O
fedor impregnou o ar e Cris cutucou o irmão:
− Daqui a
pouco a polícia vai voltar.
Carlos,
prestes a ter um surto, começou a fazer a dança da chuva. Marília, abismada com
o comportamento irracional do marido, perguntou:
− Posso
saber o que você está fazendo, homem?
− Se não
chover logo, estaremos fodidos. O fedor vai chegar até a delegacia e todos
seremos presos! Rá! Todos nós!
De fato
começou a chover em pouco tempo, amainando o cheiro ruim. Depois que Tereza
virou pó, Carlos juntou tudo, colocou em uma vasilha e parou em frente a todos.
E declarou:
− Aqui
jaz a amiga de vocês de tantos anos. Aquela que, inadvertidamente, resolveu se
meter na briga dos meus dois filhos imbecis e se deu muito mal. Viva Tereza!
Carlos
jogou as cinzas da empregada sobre Cris e André, deu a sua risada mais sinistra
de todos e entrou na casa cantarolando. Marília murmurou:
− Se eu
matar o pai de vocês, alguém me ajuda a abrir uma cova?
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 13)
Marília
deu um pulo da cadeira aos gritos e correu para o outro lado da sala. Enquanto
Amanda, André e Cris praticamente rolavam de tanto rir, Carlos se levantou
furioso, enxotou Poncho aos berros e tapando o nariz, levou o braço para fora
com a ajuda de uma toalha que Marília jogou para ele.
Os filhos
seguiram Carlos até a sepultura de Tereza onde sem muito cuidado, ele enterrou
o braço de novo. O cheiro estava terrível.
− Não
passa de amanhã, sem dúvida nenhuma – esbravejou Carlos esquecendo que os
vizinhos podiam escutar alguma coisa. – E se tivéssemos uma visita? Como eu
iria explicar a origem do braço?
− Pai, é
melhor mantermos o Poncho preso – avisou André. – Ele adora fuçar onde a Terê
está enter…
− Ei, não
fale demais! – disse Cris pegando o cachorro e o levando para sua casinha.
Poncho
foi devidamente preso, ainda que sob protesto. André se aproximou e colocou o
prato de ração perto dele.
−
Misturei o restante dos comprimidos da mamãe. Isto vai mantê-lo quieto até nos
livrarmos da Tereza.
Lá de
dentro veio a voz de Marília:
− Já
enterraram o braço da mulher?
Cris
olhou para o irmão sem acreditar no que estava ouvindo.
− Será
que vocês querem que a vizinhança saiba que tem um corpo enterrado no nosso
jardim? – perguntou ele tenso.
− Por
culpa de vocês dois – acusou Carlos lavando com esmero as mãos no tanque. – Se
ambos tivessem tido a decência de ter chamado a polícia, tudo isto já teria sido
resolvido.
− Quer
saber? – Amanda perguntou enquanto entrava com o pai e os irmãos para dentro da
casa. – Estou achando tudo isto sen-sa-cio-nal.
*
Naquela
noite ninguém dormiu direito (com exceção de Amanda) e durante todo o dia
nenhum deles conseguiu se concentrar direito nas suas atividades. Poncho havia
sido solto pela manhã, mas, sonolento, se contentou em ficar quieto descansando
no gramado.
Era
próximo das dez horas da noite quando a família inteira rumou para o jardim.
Carlos forrou com toalhas e cobertores velhos o porta-malas do carro. Ninguém
havia jantado e nenhum deles estava com fome. Luvas cirúrgicas e máscaras estavam
ao alcance de todos. André e Cris aguardavam nervosamente o momento em que
teriam que cavar a cova e desenterrar Tereza. Um saco preto de bom tamanho
estava ao lado da sepultura. Marília observava a tudo de longe com uma toalha
no nariz.
− O que é
aquilo ali?
A voz de
Amanda interrompeu o silêncio da noite. Carlos que segurava a pá olhou para
onde a filha apontava.
− Ora,
Amanda! – Carlos se sentia completamente sem paciência. – É somente o Poncho
dormindo.
André
olhou com mais atenção. Havia algo estranho ali.
− Espere
um pouco – disse ele.
− Esperar
o quê? – Carlos não esperou e deu duas escavadas seguidas. Queria se livrar daquele
fardo de uma vez por todas.
− Pai,
para tudo – pediu Cris apressando seus passos em direção ao seu animal de
estimação.
A família
observou quando o gêmeo tocou no bicho, puxando a mão em seguida.
− Gente,
ele está morto.
Um “oh”
generalizado ecoou por todo o jardim. Cris se levantou furioso e encarou o
irmão.
− Foi
você!
− Eu? Eu
o quê?
− Você
matou Poncho!
− Eu?
Antes eu havia matado o Rodolfo! Agora você vai me acusar de ter matado o
cachorro também? E Tereza? Sou culpado também pela morte dela?
− Ei,
falem baixo! – pediu Marília correndo na direção dos dois brigões, implorando
para que baixassem o tom de voz. – Deixem para discutir depois.
− Você
exagerou na dose dos comprimidos da mamãe. Ele não suportou!
Amanda,
que até então tinha achado tudo muito divertido, naquele momento estava à beira
das lágrimas.
− Vocês
dois… são uns assassinos! Assassinos!
− Calem a
boca todo mundo! – ordenou Carlos. – Temos algo mais importante para fazer do
que discutir a morte dele!
− Eu não
matei ninguém! – defendeu-se André. – E você apoiou quando dei a ideia de
roubar os comprimidos da mamãe para dopá-lo.
− Eu não
acredito que vocês fizeram uma coisa destas – murmurou Amanda.
− Carlos,
nós precisamos dar um jeito neste corpo também – exigiu Marília evitando olhar para
onde estava Poncho. – E breve! Estou de saco cheio desta história!
− Sabe
qual é a minha vontade? De atirar vocês todos no rio! – Carlos parecia um
louco, com os olhos vidrados e descabelado.
Silêncio
total.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 12)
− Foi
você?
Os dois
irmãos se encontravam no banheiro da casa. Os pais degustavam a sobremesa na
sala de estar. Cris encarou André surpreso com aquela pergunta descabida.
− Foi
você? – ele devolveu a pergunta muito ofendido.
− Claro
que não.
− Também
não matei ninguém – estrebuchou Cris. – Não tenho o hábito de sair por aí atropelando
pessoas.
− Ok,
desculpe. Só queria ter certeza – falou André tentando apaziguar o ânimo do
irmão.
− Pode
ter sido nosso pai.
− Ou
nossa mãe – emendou Cris, pesaroso.
− O
importante é que não temos mais nenhuma testemunha. Quem atropelou o velho na
verdade nos prestou um grande favor. Ei! Quer parar de me olhar com esta cara?
Quem estava com a chave do carro hoje de manhã era você.
− Nossa
única testemunha ainda é o Poncho.
−
Inofensivo agora que toda a família sabe que a Tereza está enterrada no jardim.
− Será
que papai já tem alguma ideia de como vai despachar o corpo?
− Se não
teve ainda, é melhor que tenha de uma vez por todas. Daqui a pouco a Tereza vai
virar adubo no jardim da mamãe.
*
A decisão
foi comunicada à noite durante o jantar com toda a família reunida novamente.
Tomando um cálice de vinho, Carlos declarou:
− Pensei
bastante sobre o caso da Tereza. O melhor que temos a fazer é jogá-la dentro de
um rio. De preferência bem distante daqui.
− Rá! –
exclamou Cris se sentindo o tal. – Esta ideia é minha.
−
Certamente se vocês fossem jogar o corpo da infeliz no rio no dia do ocorrido,
seriam descobertos. A pressa é inimiga da perfeição.
− Humm,
que legal – Marília debochou. – Você irá executar este servicinho na maior
perfeição. Que bonito.
Carlos
ignorou a ironia da esposa e continuou:
− Amanhã
eu vou forrar o porta-malas com lençóis e toalhas velhos. Desenterraremos o
corpo depois que tivermos certeza que os vizinhos estão recolhidos. Vamos
ensacá-la e a colocar dentro do carro. Vou comprar luvas descartáveis e
máscaras porque o cheiro vai estar insuportável. Depois vamos até o local a uns
50 quilômetros daqui e jogamos o corpo no rio. Tenho alguns tijolos que
sobraram da última reforma. Ela vai afundar que é uma beleza.
− Não
vejo a hora de ver tudo isto. Já tenho uma história para contar aos meus netos!
Uhu! – Amanda esfregou as mãos muito empolgada. – Quanta emoção!
− E quem
disse que você vai ir junto conosco? – indagou Carlos irritado. – Quanto menos
gente, menos atenção iremos chamar.
− O quê?
Você acha que eu vou perder esta? Nunca! Nunquinha mesmo!
− Bem, se
toda a família vai – declarou Marília tomando chá, – por óbvio que eu também
irei para dar uma força.
Poncho
latiu lá fora. Cris comentou:
− O
cachorro quer ir junto também!
Gargalhada
geral. Naquele momento Poncho entrou na sala sem ninguém perceber e largou algo
atrás da cadeira de Marília. Amanda fungou o ar e perguntou:
− Alguém
peidou?
− Olha os
modos, Amanda – ralhou Marília. – Onde está sua sofisticação?
A garota
farejou a direção do fedor que já empestava a sala. E então disse:
− Minha
sofisticação está no lugar de sempre. Mas o braço de Tereza está bem atrás de
você.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 11)
Eram onze
horas da manhã quando o celular de Marília tocou. Naquele momento ela estava na
cozinha tentando preparar o almoço da família. Tereza estava fazendo muita
falta naquela casa. E o pior de tudo é que enquanto houvesse o corpo enterrado
no jardim, não podia se dar ao luxo de contratar outra empregada. Vida cruel.
− Oi,
Carlos. Seja rápido. Acabei de queimar o arroz e…
− Seu
Rodolfo morreu.
− Quem? O
jardineiro? – Marília desligou todas as chamas do fogão e sentou em uma cadeira
da cozinha, atordoada. – Morreu como?
−
Atropelado. Acabei de ler na internet. Foi hoje de manhã.
− Mas…
você tem certeza que é ele?
Carlos se
mostrava nervoso ao telefone.
− Sim. É
ele. Você acha que…
Ele
interrompeu a frase. Marília, ainda sem entender o que o marido queria dizer,
insistiu:
− Acho o
quê, Carlos? O que você está tentando dizer?
− Você
acha que um dos meninos poderia… Bem, um deles ou dois poderiam ter…
Marília
sentiu o mundo rodar. Se não estivesse sentada, talvez tivesse desabado no
chão.
− Não!
Eles não seriam capazes disto!
Ou
seriam?
*
Quando
André e Cris chegaram da faculdade pontualmente às 12h30min se depararam com os
pais sentados no sofá aguardando-os com ansiedade. A expressão deles era
terrível.
− E aí,
gente – cumprimentou André para só depois se dar conta que algo estava errado. –
Ué, o que houve? Morreu alguém?
Carlos
não deixou por menos.
− Talvez
você possa nos dizer – e apontando para Cris. – Ou você.
Os irmãos
se entreolharam sem entender absolutamente nada.
− Ei,
espera aí! – exclamou Cris ficando nervoso. – Fale abertamente. Qual a desgraça
da vez?
− Seu
Rodolfo morreu esta manhã.
− Puxa,
sinto muito – falou André disfarçando seu alívio. – Mas o que nós temos a ver
com isto?
− Me
respondam com franqueza – exigiu Carlos ficando em pé e encarando os filhos de
igual para igual. – Foi um de vocês?
− Claro
que não – retrucou André rapidamente.
Cris
perguntou muito pálido.
− Ele
morreu como?
− Foi
atropelado hoje de manhã cedo – esclareceu Marília um pouco mais tranquila. Os
meninos não podiam estar mentindo. – Saiu em um site de notícias e o pai de
vocês o reconheceu pelo nome.
− Me
admiro, mamãe – André fingiu estar muito ofendido, − que vocês dois tenham
desconfiado de nós.
− Tudo
bem, desculpe – pediu Carlos passando a mão nos cabelos, tentando recuperar a
serenidade. – Desculpem, garotos. É que esta história nos perturbou demais. Eu
vou resolver tudo. Estou pensando em uma maneira de tirarmos o corpo da Tereza
daqui e pôr um fim nisto tudo.
− Não
vejo a hora – suspirou Marília.
− Nós
também – retrucaram em uníssono os gêmeos.
sábado, 10 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 10)
A família
toda estava reunida na sala de jantar. Marília fazia questão de ter todos
juntos às refeições sempre que possível. Como naquela noite. Amanda trouxe a
sobremesa e colocou à disposição de todos. Foi então que André começou a se
levantar, dizendo:
− Bem, se
vocês me dão licença, eu vou jogar videogame.
− Legal.
Eu vou junto – anunciou Cris.
A voz
trovejante de Carlos se fez ouvir.
− Vocês
dois sentem de volta. Agora.
Os gêmeos
se entreolharam discretamente e tornaram a se acomodar em seus lugares.
− Bem,
como vocês sabem, a Tereza sumiu.
Silêncio.
− E hoje
o irmão da Terê, o Bráulio, esteve aqui muito preocupado com a situação.
− Eu me
vi obrigada a registrar uma ocorrência na delegacia – emendou Marília engolindo
um pedaço de pudim.
Carlos
prosseguiu:
− Cris e
André, o que aconteceu exatamente naquela tarde?
André deu
um chute no pé do irmão por debaixo da mesa. Era um sinal para que ele
mantivesse a calma e a mentira.
− O
celular dela tocou – respondeu Cris convicto.
− Onde
ela estava?
− Na sala
– disse André.
− Na
cozinha – disse Cris.
Amanda,
Carlos e Marília se entreolharam.
− Onde
ela estava, afinal?
− Pai, o
que isto importa? – perguntou André, servindo-se de pudim. Estava ainda louco
de fome. – O fato é que eu e o Cris estávamos super envolvidos com o jogo do
videogame. O celular dela tocou, Terê ficou ansiosa, disse que precisava sair e
saiu mesmo.
Cris
percebeu que Amanda olhava para André ironicamente. Mau sinal.
− Foi
isto o que aconteceu?
A voz de
Carlos estava terrível. Cris chutou André por debaixo da mesa.
− Cris,
por que você está me chutando? – indagou Marília furiosa.
− Eu?
− O
negócio é o seguinte – esbravejou Carlos. – Tem um corpo enterrado no jardim e
eu quero saber como ele foi parar lá.
− O quê?
Um corpo? – André pousou a sobremesa sobre a toalha. – No nosso jardim?
− Sim.
Provavelmente é da Tereza. E foram vocês as últimas pessoas que a viram viva.
− Acho
que há um equívoco aí, pai – falou Cris com vontade de vomitar.
Amanda então
resolveu se meter.
−
Explique, por favor, por que naquela noite você estava tentando arrancar um pé
humano da boca do Poncho e depois o enterrou de volta no jardim. Hein?
Todos os
olhos se voltaram para Amanda que continuou comendo seu pudim como se sua declaração
fosse algo normal.
− Ei,
espere um instante! – Carlos ficou em pé e se curvou sobre a mesa em direção à
filha. – Repita o que você disse!
− Em
primeiro lugar, quero dizer que não tenho nada a ver com esta putaria –
retrucou a garota servindo-se de mais pudim. – Mas eu não sou cega. Eu vi
nitidamente o Poncho com o pé de alguém na boca e o meu mano Cris, em
desespero, tentando fazer o bicho soltar. Assisti toda esta cena ridícula da
janela do meu quarto enquanto vocês assistiam aquela comédia sem graça na sala.
Depois que o Poncho soltou, o Cris enterrou o pé de novo na cova.
Marília
pôs as mãos na cabeça, incrédula.
− E eu
posso saber por que você não nos avisou que tinha um corpo enterrado no jardim?
− E você
acha que eu iria me envolver com um crime destes?
Sem saída
e vendo que o irmão estava à beira de sofrer um colapso nervoso, André resolveu
finalmente revelar a verdade.
− Vocês
querem realmente saber o que aconteceu naquele dia? Eu conto.
Cris
encarou André como se não acreditasse que ele fosse abrir o bico.
−
Estávamos jogando videogame e a Tereza, na cozinha. De repente nos desentendemos
durante o jogo e começamos a discutir. Era uma discussão boba, não tinha nada
de sério. Quando me dei conta, eu e Cris estávamos trocando socos e empurrões.
Mas era só brincadeira, pai. Dei um passo em falso e derrubei o vaso de
porcelana. Acho que foi o barulho do vaso quebrando que chamou a atenção da
Tereza. A criatura apareceu do nada, berrando para que a gente parasse de
brigar. Então sobrou um empurrão pra cima dela. E ela voou.
Marília e
Carlos se entreolharam sem entender direito.
− Voou
para onde?
− Para o
outro lado da sala – esclareceu Cris com a voz por um fio. – Não sabemos como e
nem de onde partiu. De repente a coitada estava jogada no chão, sem se mexer.
Deve ter dado uma cabeçada na quina da mesa.
− Pai,
pensamos que ela estava brincando com a gente. Mas ela não se mexia. Foi quando
descobrimos que Tereza estava morta. Bem morta. Cris pensou em atirá-la no rio,
mas me pareceu mais fácil enterrá-la no nosso jardim.
Amanda
perguntou:
− E o que
vocês queimaram na churrasqueira? Não era trabalho nenhum de faculdade que eu
sei...
− A bolsa
e o celular dela. Sabe como é, não queríamos deixar pistas. Mas o Poncho estragou tudo. Ele nos viu
enterrando Tereza e… bem, o resto vocês já sabem – finalizou André tomando um
copo inteiro de refrigerante de uma vez só.
− Estou
chocada – murmurou Marília. – Não posso acreditar que meus dois filhos gêmeos
tenham feito isto. Não era mais fácil chamar a polícia?
− E se
não conseguíssemos provar nossa inocência, mãe? – André tentou se defender.
−
Qualquer perícia poderia inocentar vocês! – esbravejou Carlos sentando outra
vez. A coisa que ele mais queria naquele momento era tomar um porre e acordar
somente dali a dez anos. – Vocês terão que responder por ocultação de cadáver
se a polícia descobrir.
− Ah, mas
não se preocupem – disse Amanda muito séria. – No Brasil ninguém vai preso. E
como a Tereza era uma simples empregada, nada vai acontecer com vocês dois.
Ricos, bem nascidos, bonitos... A mídia vai adorar.
− E
agora, Carlos? O que vamos fazer?
− Quer
saber? Eu vou dormir!
Carlos se
levantou e subiu as escadas pisando duro. Apesar de tudo, Cris se sentia mais
aliviado. Foi então que André perguntou:
− Por que
vocês desconfiaram de nós, afinal?
− O seu
Rodolfo esteve aqui hoje – respondeu Marília começando a sentir uma dor de
cabeça daquelas. – Ele foi remexer na terra e encontrou o pé da Tereza mal
enterrado. Fomos chamados e descobrimos tudo. Seu pai deu uma boa grana para o
que homem cale a boca.
Marília
esfregou a testa e continuou:
−
Realmente foi um choque encontrar o corpo da pobre Tereza enrolado naquele
cobertor cor-de-rosa.
− Cobertor
cor-de-rosa? – berrou Amanda, surtada. – Vocês enrolaram o corpo da defunta com
o meu cobertor de estimação?
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap.9)
Para não
dar na vista, André surrupiou dois calmantes da mãe, dividiu em três pedaços e
misturou um deles na ração do Poncho. Em pouco tempo, o cachorro dormia o sono
dos inocentes. E parecia que não iria acordar tão cedo.
− Será
que ele vai dormir para sempre?
− Claro
que não, Cris. Nem foi tanto assim.
− Mas ele
é um cachorro. Talvez não reaja bem ao remédio.
− Bem, a
polícia também não vai reagir muito bem quando encontrar o corpo da Tereza no
jardim. Vamos nos livrar do corpo esta madrugada.
− Certo. Não
vejo a hora. Isto está me consumindo.
Os dois
comeram alguma coisa rapidamente. Ficou combinado que Cris não precisaria matar
aula e iria à faculdade pela tarde, já que Poncho dormia pesadamente e não dava
mostras que acordaria tão cedo. Além do mais, era melhor evitar qualquer
contato com a mãe e com isto, perguntas mais indiscretas. Assim, um pouco antes
de ela chegar, os gêmeos saíram juntos mal esperando a bomba que os aguardava
quando chegassem logo mais à noite.
*
Marília retornou
para casa no meio da tarde segurando o boletim de ocorrência nas mãos. Pouco
depois chegou Carlos, preocupado. Ele recebera uma ligação da esposa contando
sobre o caso e resolvera voltar mais cedo. Os dois discutiam o destino de
Tereza quando a campainha tocou. Era o jardineiro.
Afobada,
Marília despachou seu Rodolfo para fazer o trabalho no jardim enquanto ela
discutia com o marido a triste situação de Tereza. Ou não. Carlos acreditava
que a mulher tinha arranjado um namorado e dado no pé, deixando o irmão na mão.
Neste
meio tempo seu Rodolfo chegou ao jardim. Surpreendeu-se ao encontrar Poncho
dormindo tão profundamente. Logo ele, sempre tão ativo... O homem largou seus
apetrechos no chão e começou a trabalhar com a terra. Logo se deu conta que ela
estava um pouco diferente do que da última vez que ali estivera. Parecia que
alguém havia remexido nela...
Sem dar
muita atenção para aquilo, seu Rodolfo se concentrou no trabalho para logo em
seguida franzir o rosto. Que cheiro era aquele? Um odor fétido vinha dali, de
onde ele estava trabalhando e pretendia plantar as flores de dona Marília. Não
era possível que a família tivesse resolvido enterrar alguma coisa justo
naquele local. Um corpo, por exemplo. Rodolfo até riu da sua ideia. Imagine!
Todos eles eram do bem, inclusive os gêmeos, mesmo que às vezes eles se comportassem
tão estranhamente.
Mas ele
começou a ficar intrigado quando remexeu um pouco mais na terra e o cheiro
ficou mais forte. Pegou a pá e não precisou cavar muito para se deparar com um
pedaço de pé e um cobertor de cor-de-rosa perdidos no meio da terra. O fedor
aumentou e o homem ficou nauseado. Mas que merda era aquela?
Ele se
dirigiu sem jeito para dentro da casa. Encontrou dona Marília e seu Carlos
rindo e bebendo suco de laranja. Constrangido por interromper aquele momento de
descontração, seu Rodolfo resolveu ir direto ao assunto:
− Dona
Marília, seu Carlos…
− Sim,
Rodolfo?
− Er…
será que podem me acompanhar até o jardim?
− O que
houve, criatura? – perguntou Marília largando o suco em cima da mesa. – Você
está branco.
− Acho
que a senhora também vai ficar. Eu encontrei um presunto no jardim.
*
Em menos
de 10 segundos Marília, Carlos e Rodolfo cercavam a cova de Tereza. Tapando o
nariz e sentindo vontade de vomitar, Marília disse, incrédula:
− Não sei
como isto foi parar aí.
− Nem eu
– retrucou Carlos olhando para a esposa.
Ambos
queriam matar os gêmeos.
− Cara, é
o seguinte. Vá para casa – falou Carlos, imediatamente pegando a carteira e
dando uma boa quantia ao homem. – Faça de conta que você não viu nada e nem
nunca esteve aqui. Nós vamos chamar a polícia agora. Alguém pulou o muro e
enterrou alguma coisa no nosso jardim.
Seu
Rodolfo foi embora satisfeito com a grana a mais recebida. Marília e Carlos se
entreolharam assim que o homem desapareceu das suas vistas.
− Você
vai mesmo chamar a polícia?
− Claro
que não – respondeu Carlos furioso, voltando ao jardim e pegando uma pá para
cobrir o corpo novamente. – Alguma dúvida do paradeiro da sua empregada? Eu vou
estrangular seus dois filhos bem devagarinho.
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap.8)
A festa
foi um sucesso. No final do dia Carlos, Amanda e Marília se reuniram na sala de
estar para relembrarem os melhores momentos. Os gêmeos bem que tentaram se integrar,
mas era impossível. Poncho estava solto no jardim naquele momento a mando de
Carlos, que ficara indignado quando descobriu que o cachorro havia ficado preso
no quarto de André por tantas horas seguidas. Seguidamente André ou Cris iam
até a cozinha pegar um copo de água. Na verdade, aquilo era um disfarce para
saber o que Poncho estava fazendo. Para alívio de ambos, o cão dormia
tranquilamente na área de serviço sem dar maior importância ao corpo enterrado
no jardim.
- Ainda
bem que ele está com sono… - suspirou Cris quando André apareceu subitamente ao
seu lado na cozinha.
- E se a
gente colocasse um dos calmantes da mamãe na ração dele até a gente se livrar
do corpo?
- Acho
uma boa ideia. Mas precisamos nos livrar da Tereza o quanto antes. Ninguém fica
desaparecido tanto tempo sem que alguma suspeita seja levantada.
- Teremos
que nos revezar para controlar o Poncho – disse André baixinho e olhando para
os lados para ver se ninguém estava se aproximando. – Você vai para a faculdade
pela manhã e eu vou à tarde. Neste meio tempo pegamos o Poncho e levamos para a
rua. Vou tentar encontrar onde mamãe coloca as pílulas para dormir.
-
Combinado – concordou Cris ligeiramente apavorado. Aquele pesadelo parecia não
ter fim.
*
Quando
Cris chegou em casa da faculdade logo depois do meio dia escutou uma voz
diferente na sala. Com um mau pressentimento, ele entrou devagar e se deparou
com a mãe conversando com um homem de aparência humilde, sentado na ponta do
sofá, parecendo desconfortável. De André, nem sinal.
- Bom dia
– cumprimentou ele jogando a mochila no chão, sabendo que seu dia a partir dali
não seria tão bom assim.
- Cris,
venha cá – disse a mãe com um tom de voz preocupado. – Sente aqui conosco.
Sem
sentir as pernas, ele se arrastou até onde a mãe estava e arriou no sofá
esperando o pior.
- Este
senhor aqui é o Bráulio, irmão da Tereza.
- E aí,
Bráulio? Tudo em cima? Mãe, cadê o André?
- Seu
irmão está desaparecido com o Poncho desde as nove horas da manhã – respondeu
Marília impaciente. – Você quer fazer o favor de se concentrar? O Bráulio está
aqui porque a Tereza saiu daqui de casa aquele dia e não voltou para a dela.
Bráulio
sacudiu a cabeça levemente, confirmando aquela situação. Cris se sentiu
empalidecer de puro medo. Marília acreditou que a reação do filho fosse somente
susto.
- Sim,
meu filho. Estamos todos assustados. Aliás, eu estou surpresa. Tereza não é de
fazer isto!
-
Senhora, minha irmã ía de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Nos
domingos ela somente chegava na igreja rapidinho e só. Mas ela sumiu.
Marília
se virou para o filho e perguntou firmemente:
- Naquele
dia ela recebeu um telefonema e saiu? Foi isto que aconteceu?
- Eu…
sim, foi. Quer dizer, deve ter sido. Ouvi o celular dela tocar.
Bráulio
interviu.
- Senhora,
tudo isto é muito esquisito. Somente eu tinha o número dela.
- Esta é
uma história bem estranha mesmo, Bráulio – concordou Marília, enquanto Cris mal
respirava. – Mas pelo visto ela passou o número para outra pessoa. Talvez um
namorado.
Cris
resolveu dar o ar da sua graça.
- Para
ela sair correndo daquele jeito só pode ter sido homem.
Marília e
Bráulio o olharam de cara feia. Cris tentou consertar:
- Mas não
pode ser?
- Não,
não pode – retrucou Bráulio enfezado. – Minha irmã não era destas coisas.
Marília
se levantou bruscamente.
- Espere
aí, Bráulio. Não estou gostando desta história. Vou pegar minha bolsa e nós
vamos à delegacia mais próxima registrar uma ocorrência.
- Sim,
senhora – respondeu Bráulio um pouco nervoso.
De
repente se viram os dois sozinhos na sala de estar. Bráulio encarou Cris com
uma expressão severa como se desconfiasse de alguma coisa.
-
Situação difícil esta, não é? – comentou Cris sem saber o que fazer com as
mãos.
- Ela que
sustentava a casa, garoto. Eu não consigo serviço há dois anos.
O bafo de
cachaça vindo de Bráulio quase tonteou Cris.
- Quem
sabe você para de beber e começa a procurar trabalho? Tipo assim, só para conseguir
uma graninha?
Os punhos
de Bráulio se fecharam e Cris teve a nítida impressão que levaria um soco. Foi
salvo pelo irmão que chegou naquele momento trazendo Poncho preso pela coleira.
Sem soltar o animal, o jovem se aproximou da dupla percebendo a tensão no ar.
- Oi,
Cris. Faz tempo que você chegou?
- Agora
mesmo. Bem, este… este é o irmão da Tereza.
André
disfarçou bem sua surpresa. Estendeu a mão livre para o homem e o cumprimentou
efusivamente.
- E aí,
cara? Cadê a sua irmã?
Marília
apareceu naquele momento segurando a bolsa e a chave do carro.
-
Garotos, eu vou até a delegacia registrar uma ocorrência do desaparecimento da
Tereza. Depois irei levar o Bráulio até em casa. Preparem alguma coisa para
comerem ou passem fome. Até mais.
Bráulio
se levantou do sofá e passou reto pelos dois meninos. Quando a porta bateu e se
viram sozinhos em casa, André perguntou:
- Eu
escutei bem? Ela vai até a polícia registrar o desaparecimento da Tereza? Será
que vão investigar?
Cris
simplesmente estava branco.
- Se isto
acontecer estaremos fodidos e mal pagos.
- Calma –
André pensava rapidamente. – Vamos até o quarto da mamãe tentar achar as
pílulas para dormir e dar para o Poncho. Depois pensamos de que jeito vamos nos
livrar do corpo.
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