Marília
deu um pulo da cadeira aos gritos e correu para o outro lado da sala. Enquanto
Amanda, André e Cris praticamente rolavam de tanto rir, Carlos se levantou
furioso, enxotou Poncho aos berros e tapando o nariz, levou o braço para fora
com a ajuda de uma toalha que Marília jogou para ele.
Os filhos
seguiram Carlos até a sepultura de Tereza onde sem muito cuidado, ele enterrou
o braço de novo. O cheiro estava terrível.
− Não
passa de amanhã, sem dúvida nenhuma – esbravejou Carlos esquecendo que os
vizinhos podiam escutar alguma coisa. – E se tivéssemos uma visita? Como eu
iria explicar a origem do braço?
− Pai, é
melhor mantermos o Poncho preso – avisou André. – Ele adora fuçar onde a Terê
está enter…
− Ei, não
fale demais! – disse Cris pegando o cachorro e o levando para sua casinha.
Poncho
foi devidamente preso, ainda que sob protesto. André se aproximou e colocou o
prato de ração perto dele.
−
Misturei o restante dos comprimidos da mamãe. Isto vai mantê-lo quieto até nos
livrarmos da Tereza.
Lá de
dentro veio a voz de Marília:
− Já
enterraram o braço da mulher?
Cris
olhou para o irmão sem acreditar no que estava ouvindo.
− Será
que vocês querem que a vizinhança saiba que tem um corpo enterrado no nosso
jardim? – perguntou ele tenso.
− Por
culpa de vocês dois – acusou Carlos lavando com esmero as mãos no tanque. – Se
ambos tivessem tido a decência de ter chamado a polícia, tudo isto já teria sido
resolvido.
− Quer
saber? – Amanda perguntou enquanto entrava com o pai e os irmãos para dentro da
casa. – Estou achando tudo isto sen-sa-cio-nal.
*
Naquela
noite ninguém dormiu direito (com exceção de Amanda) e durante todo o dia
nenhum deles conseguiu se concentrar direito nas suas atividades. Poncho havia
sido solto pela manhã, mas, sonolento, se contentou em ficar quieto descansando
no gramado.
Era
próximo das dez horas da noite quando a família inteira rumou para o jardim.
Carlos forrou com toalhas e cobertores velhos o porta-malas do carro. Ninguém
havia jantado e nenhum deles estava com fome. Luvas cirúrgicas e máscaras estavam
ao alcance de todos. André e Cris aguardavam nervosamente o momento em que
teriam que cavar a cova e desenterrar Tereza. Um saco preto de bom tamanho
estava ao lado da sepultura. Marília observava a tudo de longe com uma toalha
no nariz.
− O que é
aquilo ali?
A voz de
Amanda interrompeu o silêncio da noite. Carlos que segurava a pá olhou para
onde a filha apontava.
− Ora,
Amanda! – Carlos se sentia completamente sem paciência. – É somente o Poncho
dormindo.
André
olhou com mais atenção. Havia algo estranho ali.
− Espere
um pouco – disse ele.
− Esperar
o quê? – Carlos não esperou e deu duas escavadas seguidas. Queria se livrar daquele
fardo de uma vez por todas.
− Pai,
para tudo – pediu Cris apressando seus passos em direção ao seu animal de
estimação.
A família
observou quando o gêmeo tocou no bicho, puxando a mão em seguida.
− Gente,
ele está morto.
Um “oh”
generalizado ecoou por todo o jardim. Cris se levantou furioso e encarou o
irmão.
− Foi
você!
− Eu? Eu
o quê?
− Você
matou Poncho!
− Eu?
Antes eu havia matado o Rodolfo! Agora você vai me acusar de ter matado o
cachorro também? E Tereza? Sou culpado também pela morte dela?
− Ei,
falem baixo! – pediu Marília correndo na direção dos dois brigões, implorando
para que baixassem o tom de voz. – Deixem para discutir depois.
− Você
exagerou na dose dos comprimidos da mamãe. Ele não suportou!
Amanda,
que até então tinha achado tudo muito divertido, naquele momento estava à beira
das lágrimas.
− Vocês
dois… são uns assassinos! Assassinos!
− Calem a
boca todo mundo! – ordenou Carlos. – Temos algo mais importante para fazer do
que discutir a morte dele!
− Eu não
matei ninguém! – defendeu-se André. – E você apoiou quando dei a ideia de
roubar os comprimidos da mamãe para dopá-lo.
− Eu não
acredito que vocês fizeram uma coisa destas – murmurou Amanda.
− Carlos,
nós precisamos dar um jeito neste corpo também – exigiu Marília evitando olhar para
onde estava Poncho. – E breve! Estou de saco cheio desta história!
− Sabe
qual é a minha vontade? De atirar vocês todos no rio! – Carlos parecia um
louco, com os olhos vidrados e descabelado.
Silêncio
total.
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