A família
toda estava reunida na sala de jantar. Marília fazia questão de ter todos
juntos às refeições sempre que possível. Como naquela noite. Amanda trouxe a
sobremesa e colocou à disposição de todos. Foi então que André começou a se
levantar, dizendo:
− Bem, se
vocês me dão licença, eu vou jogar videogame.
− Legal.
Eu vou junto – anunciou Cris.
A voz
trovejante de Carlos se fez ouvir.
− Vocês
dois sentem de volta. Agora.
Os gêmeos
se entreolharam discretamente e tornaram a se acomodar em seus lugares.
− Bem,
como vocês sabem, a Tereza sumiu.
Silêncio.
− E hoje
o irmão da Terê, o Bráulio, esteve aqui muito preocupado com a situação.
− Eu me
vi obrigada a registrar uma ocorrência na delegacia – emendou Marília engolindo
um pedaço de pudim.
Carlos
prosseguiu:
− Cris e
André, o que aconteceu exatamente naquela tarde?
André deu
um chute no pé do irmão por debaixo da mesa. Era um sinal para que ele
mantivesse a calma e a mentira.
− O
celular dela tocou – respondeu Cris convicto.
− Onde
ela estava?
− Na sala
– disse André.
− Na
cozinha – disse Cris.
Amanda,
Carlos e Marília se entreolharam.
− Onde
ela estava, afinal?
− Pai, o
que isto importa? – perguntou André, servindo-se de pudim. Estava ainda louco
de fome. – O fato é que eu e o Cris estávamos super envolvidos com o jogo do
videogame. O celular dela tocou, Terê ficou ansiosa, disse que precisava sair e
saiu mesmo.
Cris
percebeu que Amanda olhava para André ironicamente. Mau sinal.
− Foi
isto o que aconteceu?
A voz de
Carlos estava terrível. Cris chutou André por debaixo da mesa.
− Cris,
por que você está me chutando? – indagou Marília furiosa.
− Eu?
− O
negócio é o seguinte – esbravejou Carlos. – Tem um corpo enterrado no jardim e
eu quero saber como ele foi parar lá.
− O quê?
Um corpo? – André pousou a sobremesa sobre a toalha. – No nosso jardim?
− Sim.
Provavelmente é da Tereza. E foram vocês as últimas pessoas que a viram viva.
− Acho
que há um equívoco aí, pai – falou Cris com vontade de vomitar.
Amanda então
resolveu se meter.
−
Explique, por favor, por que naquela noite você estava tentando arrancar um pé
humano da boca do Poncho e depois o enterrou de volta no jardim. Hein?
Todos os
olhos se voltaram para Amanda que continuou comendo seu pudim como se sua declaração
fosse algo normal.
− Ei,
espere um instante! – Carlos ficou em pé e se curvou sobre a mesa em direção à
filha. – Repita o que você disse!
− Em
primeiro lugar, quero dizer que não tenho nada a ver com esta putaria –
retrucou a garota servindo-se de mais pudim. – Mas eu não sou cega. Eu vi
nitidamente o Poncho com o pé de alguém na boca e o meu mano Cris, em
desespero, tentando fazer o bicho soltar. Assisti toda esta cena ridícula da
janela do meu quarto enquanto vocês assistiam aquela comédia sem graça na sala.
Depois que o Poncho soltou, o Cris enterrou o pé de novo na cova.
Marília
pôs as mãos na cabeça, incrédula.
− E eu
posso saber por que você não nos avisou que tinha um corpo enterrado no jardim?
− E você
acha que eu iria me envolver com um crime destes?
Sem saída
e vendo que o irmão estava à beira de sofrer um colapso nervoso, André resolveu
finalmente revelar a verdade.
− Vocês
querem realmente saber o que aconteceu naquele dia? Eu conto.
Cris
encarou André como se não acreditasse que ele fosse abrir o bico.
−
Estávamos jogando videogame e a Tereza, na cozinha. De repente nos desentendemos
durante o jogo e começamos a discutir. Era uma discussão boba, não tinha nada
de sério. Quando me dei conta, eu e Cris estávamos trocando socos e empurrões.
Mas era só brincadeira, pai. Dei um passo em falso e derrubei o vaso de
porcelana. Acho que foi o barulho do vaso quebrando que chamou a atenção da
Tereza. A criatura apareceu do nada, berrando para que a gente parasse de
brigar. Então sobrou um empurrão pra cima dela. E ela voou.
Marília e
Carlos se entreolharam sem entender direito.
− Voou
para onde?
− Para o
outro lado da sala – esclareceu Cris com a voz por um fio. – Não sabemos como e
nem de onde partiu. De repente a coitada estava jogada no chão, sem se mexer.
Deve ter dado uma cabeçada na quina da mesa.
− Pai,
pensamos que ela estava brincando com a gente. Mas ela não se mexia. Foi quando
descobrimos que Tereza estava morta. Bem morta. Cris pensou em atirá-la no rio,
mas me pareceu mais fácil enterrá-la no nosso jardim.
Amanda
perguntou:
− E o que
vocês queimaram na churrasqueira? Não era trabalho nenhum de faculdade que eu
sei...
− A bolsa
e o celular dela. Sabe como é, não queríamos deixar pistas. Mas o Poncho estragou tudo. Ele nos viu
enterrando Tereza e… bem, o resto vocês já sabem – finalizou André tomando um
copo inteiro de refrigerante de uma vez só.
− Estou
chocada – murmurou Marília. – Não posso acreditar que meus dois filhos gêmeos
tenham feito isto. Não era mais fácil chamar a polícia?
− E se
não conseguíssemos provar nossa inocência, mãe? – André tentou se defender.
−
Qualquer perícia poderia inocentar vocês! – esbravejou Carlos sentando outra
vez. A coisa que ele mais queria naquele momento era tomar um porre e acordar
somente dali a dez anos. – Vocês terão que responder por ocultação de cadáver
se a polícia descobrir.
− Ah, mas
não se preocupem – disse Amanda muito séria. – No Brasil ninguém vai preso. E
como a Tereza era uma simples empregada, nada vai acontecer com vocês dois.
Ricos, bem nascidos, bonitos... A mídia vai adorar.
− E
agora, Carlos? O que vamos fazer?
− Quer
saber? Eu vou dormir!
Carlos se
levantou e subiu as escadas pisando duro. Apesar de tudo, Cris se sentia mais
aliviado. Foi então que André perguntou:
− Por que
vocês desconfiaram de nós, afinal?
− O seu
Rodolfo esteve aqui hoje – respondeu Marília começando a sentir uma dor de
cabeça daquelas. – Ele foi remexer na terra e encontrou o pé da Tereza mal
enterrado. Fomos chamados e descobrimos tudo. Seu pai deu uma boa grana para o
que homem cale a boca.
Marília
esfregou a testa e continuou:
−
Realmente foi um choque encontrar o corpo da pobre Tereza enrolado naquele
cobertor cor-de-rosa.
− Cobertor
cor-de-rosa? – berrou Amanda, surtada. – Vocês enrolaram o corpo da defunta com
o meu cobertor de estimação?
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