No final das contas
ela acabou indo para minha casa onde almoçamos juntas. Minha vergonha foi
passando aos poucos, menos a raiva que só aumentou. Felizmente Aline ficou
comigo e a tarde passou numa boa. Inventamos algumas receitas de sobremesas e
estávamos nos divertindo muito. Quando era aproximadamente cinco horas da tarde
o interfone lá de casa tocou.
Gabriela estava lá
embaixo e queria subir. Pelo menos era que o porteiro me dizia.
Acho que fiquei
pálida. Aline me encarava de olhos esbugalhados, pressentindo que algo estava
errado. Sussurrei para ela:
– A puta da Gabi
está lá embaixo e quer subir.
– E o que você vai
fazer?
Peguei o interfone e falei para o
porteiro:
– Ela está proibida
de aparecer aqui em casa. Pode dizer isto a ela.
O porteiro ficou em silêncio por
alguns instantes e disse meio sem jeito:
– A moça está aqui
embaixo chorando.
– Chorando? – olhei
para Aline.
– Chorando? –
repetiu ela.
– E bastante –
emendou o porteiro.
– Tudo bem… Deixe
que ela suba.
– Você vai dar assunto
para esta falsa?
Aline me encarou com as mãos na
cintura como se não acreditasse na minha resolução.
– Você tem certeza
do que está fazendo? – Aline estava inconformada.
– Quero ver o que
aquela cara de pau tem pra me dizer.
Não demorou nem cinco minutos o
elevador se abriu e Gabriela apareceu com a cara inchada e os olhos vermelhos.
Minha intenção era falar com ela na porta, mas como a conversa poderia terminar
aos gritos resolvi deixá-la entrar. Quando Gabi se deparou com Aline bem
sentada no sofá com cara de paisagem levou um susto.
– O que ela está
fazendo aqui?
– Somos amigas – eu
respondi sem paciência. – E é melhor que você diga logo o que quer. Tenho mais
o que fazer.
Gabriela ficou com ciúmes de Aline e
eu vibrei.
– O assunto é
particular.
– Aline, você pode
esperar no meu quarto, por favor?
Sacudindo os ombros, Aline fez o que
eu pedi.
– Vai, desembucha.
Enxugando uma lágrima, Gabriela disse
com a voz trêmula:
– Desculpa.
– Pelo o quê mesmo?
– perguntei cínica.
– Pelo que Vanusa
fez esta manhã. Com Mateus. Eu… não deveria ter contado. Mas contei e estou
super arrependida.
– Você fez de
propósito! – acusei. – Só para se exibir para elas!
– Mas eu me
arrependi!
– Não quero suas
desculpas!
– Por favor, Paula!
Em nome da nossa amizade!
Acho que fiquei vermelha quando
escutei aquilo. Amizade? Desde quando?
– Suma daqui agora.
Não somos mais amigas. Acho que nunca fomos. Você me trocou muito fácil.
Eu escancarei a porta e Gabriela
arregalou os olhos como se não estivesse acreditando que eu estava a pondo no
olho da rua.
– Bem, eu tentei –
devolveu ela passando reto por mim. – Você vai se arrepender de ter feito isto
comigo.
Ela saiu e eu fechei a porta com
um pontapé. Aline saiu do quarto e veio ter comigo. Havia escutado tudo e
estava abismada.
– Nunca pensei que
ela fosse tão cara de pau.
Esbravejei:
– Eu vou matar
estas três!
Era a segunda vez naquele dia
que eu afirmava aquilo.
*
Depois daquela
minha negativa imaginei que Gabriela fosse largar do meu pé. Realmente nós não
tínhamos mais nada a ver. Na minha cabeça fervilhavam mil ideias de vingança.
Só faltava escolher a melhor de todas.
Mas o meu corridão
em Gabi não surtira muito efeito. No dia seguinte, logo depois do intervalo e
antes de o professor chegar, ela surgiu de repente na minha frente. Acho que
deve ter passado a noite chorando e em crise dado o tamanho do inchaço dos seus
olhos. Nem me abalei. Queria que ela se explodisse e levasse suas amiguinhas
junto.
– Posso falar com
você?
– Não – respondi
imediatamente e fazendo de conta que procurava alguma coisa na minha mochila.
– Não resolvemos
nosso assunto ontem.
– E nem vamos
resolver.
– Posso conversar
com você depois da aula?
Fomos interrompidas
por uma voz estridente e irritante.
– Gabizinha! Tenho
uma coisa para mostrar para você. Vem comigo.
Gabi não teve tempo
de reagir. Vanusa a puxou pelo braço com um solavanco e a arrastou até onde elas
sentavam. Por alguns segundos até fiquei com pena. Gabriela estava totalmente
dominada pelas duas. Será que ela gostava daquilo? Acho que sim.
– Você viu aquilo?
– perguntou Aline sem fazer força para falar baixo. – Ela não tem vontade
própria?
– Nunca vi uma cena
tão ridícula – desabafei. – Morro e não vejo tudo.
Aline baixou o tom
de voz e disse:
– Bolei uma maneira
de cravar com uma delas.
– Jura? – fiquei
animada. – Me conta!
– Aqui não. Na
saída e longe da escola.
Não aguentei de
curiosidade. A aula se arrastou para piorar tudo. No fim das contas, Aline foi
lá para casa para que a gente pudesse ficar mais à vontade. Esquentei o almoço
no micro-ondas, servi comida para nós duas e nos sentamos frente a frente.
– Fala – pedi
enfiando um pedaço de carne na boca. –
Não aguento mais.
– Está vendo esta
gargantilha aqui?
Aline apontou para
uma bela gargantilha que enfeitava seu pescoço. Eu já havia reparado nela. Era
simplesmente linda.
– O que tem ela?
– Vamos fazer com
que apareça dentro da mochila da Vanusa. Ou da Sarah. Gabi? Qual você prefere?
Quase me engasguei.
Aquela ideia era demais. Mas e a logística?
– Você quer acusar
alguma delas de roubo?
– Não é uma boa
ideia?
Acho que meus olhos
deveriam estar brilhando. Mesmo assim fiquei com um pouco de medo.
– Mas como faremos
isto?
– Simples, já
pensei em tudo. Eu deixo a gargantilha sobre minha mesa quando sairmos para o
intervalo. Antes de a turma voltar, eu chego primeiro e a escondo ela na
mochila de uma delas. Saio e volto com o resto da turma e faço o maior fiasco
que a gargantilha sumiu. Lembra aquela vez que sumiu uma caneta da professora
de matemática e a diretora revistou mochila por mochila? Bolsa por bolsa?
– Será que vai dar
certo?
– Claro que vai. Só
temos que tomar cuidado para que ninguém me veja.
– Você que fará
tudo?
– Deixa comigo. Mas
afinal, você prefere foder com a vida de quem?
– Ah, pode ser da
Vanusa mesmo. Foi ela quem contou tudo para o Mateus.
– Então ela que me
aguarde.
Nós rimos feito
loucas. Eu mal podia esperar pelo dia seguinte.
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