Voltei para casa sozinha naquele
dia. O sinal tocou, eu peguei minha mochila e caí fora. Alguma coisa me dizia
que Gabi seria cercada novamente por aquelas duas e eu não estava com estômago
para ver aquilo outra vez. Meu almoço era sempre solitário. Eu sou filha única
e meus pais só voltam à noite. Nunca gostei de fazer minhas refeições sozinha,
mas naquela situação em que eu me encontrava não me importei. Esquentei a
comida que minha mãe havia me deixado e comi chorando. Era a primeira vez
durante aqueles anos todos que minha única amiga havia se afastado de mim.
Eu
estava completamente sem chão. E me odiei por isto.
*
Decidi
que deveria lutar pela amizade de Gabi. Acordei no dia seguinte disposta a
isto. Por isto não alterei minha rotina. De manhã passei no prédio de Gabriela
e ela estava lá, como sempre. Confesso que tive medo de encontrar Sarah e
Vanusa também, mas felizmente isto não aconteceu. Gabi pareceu aliviada quando
me viu e eu fiquei mais aliviada ainda por isto. Talvez nossa amizade não
houvesse ficado abalada. Durante a ida não comentamos nada sobre os
acontecimentos do dia anterior. Era melhor assim, zerar o assunto. Fiquei
contente quando a própria Gabi me lembrou de que à tarde iríamos estudar
matemática na minha casa depois do almoço. Isto também significava que eu não
faria outra refeição solitária novamente. Ela parecia querer me agradar. E meu
coração ficou feliz.
Quando
chegamos na sala de aula, Sarah e Vanusa já estavam lá. Tentei ignorar o fato
que as três se abanaram sorridentes e histéricas. Mas não consegui e me mordi
de ciúmes. Gabi sentou ao meu lado e murmurou:
− Elas são super legais.
Nem
respondi. Por mim eu queria mais é que elas se explodissem e não sobrasse
pedaço nem para os cachorros comerem. Durante a aula, no entanto, percebi que
Gabi estava inquieta e pouco concentrada. E eu sabia bem o motivo. Por causa
disto, também perdi o foco, pois não conseguia deixar de reparar nos movimentos
dela, não querendo perder nada. Muito frequentemente Gabi voltava os olhos na
direção de Sarah e Vanusa. Acho que as vacas deveriam ter algum tipo de imã.
O
melhor aconteceu na hora do intervalo. O sinal tocou e Gabi deu um salto. Levei
um enorme susto, pois ela quase derrubou a cadeira. Logo entendi o motivo.
Gabriela queria ficar com as duas. Antes que eu pudesse digerir aquilo, Sarah e
Vanusa passaram reto por Gabi e saíram rindo em direção ao corredor. A trouxa
ficou parada, em pé, com uma enorme cara de bunda. Apesar da minha raiva, tive
vontade de rir também. Ver Gabriela sendo esnobada por seus dois novos ídolos
era bom demais.
Não
sei onde aquelas duas ficaram durante o intervalo, mas eu e Gabi nos sentamos
em um banco mais afastado e só eu falei. Levou um tempo até eu perceber que ela
não escutava nada do que eu dizia. Devia estar arrasada por ter sido ignorada
tão sumariamente. Bem feito.
Quando
voltávamos para a sala de aula, Gabi resolveu sair da sua depressão e me
perguntou meio que rindo:
− E então? Sua mãe preparou
alguma coisa bem gostosa para mim?
− Você nem sabe... Ela fez
aquela macarronada com molho ao sugo e de sobremesa... Mousse de chocolate!
− Puxa! – sorriu ela colocando a
mão no estômago. – Até já senti minha barriga roncar!
Descontraímos
finalmente e voltamos para a sala de aula rindo. Gabi resolveu bancar a digna e
não olhou em nenhum momento para o lado das duas. E eu senti que pelo menos
naquele momento a parada estava ganha.
Minha
alegria, porém, durou pouco. O professor nos liberou cinco minutos mais cedo e
eu peguei Gabi pelo braço. Talvez fosse algum pressentimento, sei lá. Disse,
tentando apressá-la:
− Vamos de uma vez, Gabriela.
Estou morrendo de fome.
Ela
não disse nada. Nem sequer olhou para “aquele” lado. Pegou a mochila, ajeitou a
blusa amarrotada e veio junto comigo. Eu não larguei o braço de Gabi.
Praticamente a arrastei pelo corredor até o portão. Ela nem se importou. Achou
engraçado e comentou:
− Ei, você não se alimenta há
quanto tempo?
− Se você soubesse como aquela
mousse de chocolate está perfeita você entenderia o motivo da minha pressa.
− Ai, ai... Eu adoro a mousse da
sua mãe! – exclamou ela saltitando em plena calçada na frente da escola. – Não
vejo a hora de cair com tudo em cima e…
− Ei, Gabriela!
Gelei.
Eu sabia de quem era aquela voz.
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